quinta-feira, 4 de março de 2010

História Belenenses; 1945/46 II

Portugal e a Europa, depois das Grandes Guerras

É curioso constatar que o título de 1946 foi alcançado praticamente um ano depois do fim da 2ª Guerra Mundial na Europa (a vitória final dos aliados sobre o Japão só se sucederia cerca de 3 meses mais tarde), enquanto a fundação do próprio Clube, em 1919, concretizou-se cerca de 10 meses após a declaração do Armistício da 1ª Guerra Mundial.

No entanto e como se sabe, as consequências das duas Guerras Mundiais foram distintas para o nosso País. Portugal participou como beligerante na 1ª Guerra Mundial, onde inclusive combateram alguns dos futuros jogadores do Belenenses, com destaque para Francisco Pereira, irmão do nosso grande fundador, Artur José Pereira (chegou a receber louvor pela bravura demonstrada em Moçambique).

No caso da 2ª Guerra Mundial o nosso país manteve a neutralidade. Embora fossem também tempos difíceis (e a neutralidade se traduzisse numa distribuição de apoios camuflados aos dois blocos beligerantes), não se comparam com os problemas vividos aquando do primeiro conflito.

Em 1945 já haviam decorrido cerca de 12 anos sobre a implantação do «Estado Novo», sendo que foi curiosamente nesse ano que a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) foi convertida na famosa PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).

As relações entre o Belenenses e o Estado Novo, contrariamente ao que se veicula com frequência, não se revestiam de nenhuma proximidade especial, muito menos de favorecimento. Nalguns casos sucedeu-se até o contrário. O melhor exemplo envolveu dois dos futuros campeões de 1946, Mariano Amaro e Artur Quaresma.

A 30 de Janeiro de 1938, antes de se iniciar um Portugal-Espanha, deu-se um episódio deveras curioso e praticamente desconhecido da maioria, que envolveu 3 jogadores do Belenenses então seleccionados (onde se incluía também Simões, para além de Amaro e Quaresma).

Defrontavam-se então Portugal sob a ditadura de Salazar e a Espanha de Franco, futuro ditador (ali travava-se ainda a sangrenta guerra civil, pelo que o jogo não foi reconhecido pelas instâncias internacionais do futebol).

Assim sendo, tinha-se tornado obrigatória a saudação fascista (naquele tempo «olímpica», mas que servia perfeitamente aos tempos) no alinhamento inicial. E foi então que alguns faltaram à regra: Quaresma ficou em sentido, não erguendo sequer o braço; Simões e Amaro ergueram os punhos cerrados, algo ainda mais afrontoso (parecia a saudação comunista). Juntou-se ainda o guarda-redes Azevedo, do Sporting, que encolheu ligeiramente os dedos (curiosamente, muitos anos mais tarde, Azevedo viria a confessar que era também adepto do Belenenses… para além de vir do Barreiro, como Quaresma).

A seguir ao jogo todos eles foram detidos pela polícia política (a PVDE) para interrogatório.
Como contou Quaresma uns anos mais tarde (Record, Janeiro de 2004): «Fomos à Pide e eles ficaram. Eu, deixando o braço em baixo, disse que me esquecera de o levantar. Não houve mais problemas porque o Belenenses moveu influências. Nunca fui político, mas embirrava com aquelas coisas do fascismo. O Barreiro era foco de comunistas opositores ao regime e eu era amigo de muitos. Mas fiz aquilo sem premeditação, foi um acto natural.»
Amaro e Simões acabaram também por ser libertados, embora fossem mais “activos” na sua contestação.

Mas eram jovens, já famosos, e os bons ofícios de gente ligada ao Clube ajudaram a resolver o caso. Fica ainda o rocambolesco da revista Stadium, que publicou uma fotografia «retocada» do alinhamento, com uns toscos dedos esticados acrescentados às mãos dos jogadores!

Continua...

2 comentários:

Furioso disse...

Um clube que é do povo nunca poderia ser fascista!!

Fúria Azul Olivais disse...

O Belenenses, ao contrário do Sporting, e mesmo do Benfica, nasceu genuinamente do povo, no bairro operário de Belém.

A ideia de Restelo, zona rica, é puramente ignorante. O Restelo não era nada, antes do Belenenmses ir para lá, para um sítio que ninguém queria. Foi o Belenenses que despertou o Restelo, permitindo à CML (que continuamente nos trata abaixo de tudo, em compartação com benfica e sporting) fazer negócios milionários com embaixadas.